quarta-feira, abril 10, 2013

Blecaute

Ana passa os vestidos de sua filha Maria Luiza enquanto o céu Lua minguante e nuvem caindo água. A menina em noite brinca de lençol pendurando casa nova e pequena. O vapor do ferro sobe e a TV som de novela. Ana assiste, ora ao escândalo forjado, ora os pés de Jorge — que finge calma na agonia de esperar jogo — sobre a mesa de centro.

Lá fora o sujeito esconde o rosto e mostra o ferro que ameaça a vida de Gustavo, que acha que ama Patrícia e deixara sua foto em papel de parede do celular que entrega. Pessoas passam e fingem não ver — minguam. Uma rabiola de pipa, que um menino teve o cuidado de amarrar ponto a ponto do papel de seda que cortara parte a parte, balança ao vento do frio no fio. Já há uns minutos chove e Joana se lamenta de haver esquecido o guarda-chuva enquanto volta da faculdade e sente a franja ensopada grudar na testa — os pensamentos pingam.

A cidade dá esse respiro ultimo e as luzes se apagam.

Todas.

Ana procura velas e grita por Malu, o vestido sobre a tábua queima e não percebe. A menina acha graça e abre a janela para ver.Jorge finge calma na irritação da espera vã do jogo dessa quarta, retira os pés da mesa e respira fundo.

Os que fingiam não ver agora realmente não veem. O sujeito pega o celular e corre no escuro — no dentro de si e no de fora, ofegante. Deixa a arma cair no chão e respira fundo tateando o asfalto. Gustavo pensa no que Patrícia pensaria se o soubesse morto, e que na impossibilidade de dar amor, amaria deveras. Os pensamentos de Joana pingam cegos pelos fios grudados na testa, e ela percebe que a cidade só escuta chuva — sorri, apesar do medo. A rabiola de pipa balança ao vento frio no fio e ninguém vê, nem verá nunca, para sempre.   

Horas passam em breu. Desistidos de esperar, deitam-se e dormem nesse escuro. A chuva insiste no silêncio e todos sentem junto o que nunca será dito por ninguém. 

Um comentário:

Libânia disse...

Como o mundo é lindo visto pelos teus olhos...
Juro que, por um instante, desejei cegueira para que me guiasse e eu pudesse ver tudo pelo teu ângulo.