Há esta brancura, frágil brancura óssea de parede fina.
Película hermética de separação do mundo — O ovo.
Vejo a verdade alva trincando nascimento.
Hoje é dia de vida saindo da casca.
Vejo a menina sair das paredes do ovo e chorar o ar de fora.
Vida tão frágil que chega a ter nisso sua força. Como me comove essa
criaturinha de olhos sutilmente estrábicos — sou capaz de ler tais olhos como
quem lê um livro de Fernando Pessoa. Esta que agora vejo, já renascida tantas
vezes em vida, é resultado de tantos anos passados: os cabelos tantas vezes
cortados, a suavidade no movimento das mãos, sem nunca ter sido bailarina pra
isso. Fora criança no entanto, qual as bailarinas. Aposto que essa suavidade
macia de movimento vem das pinturas cuidadosas em lápis de cor. Como se Deus
houvesse colocado um feijãozinho no algodão a pedido da professora — ela
nasceu. Nesse mesmo janeiro, como que previa o carnaval. Ela é de ombros retos,
como tem que ser reta a estante de sustentar livros. É assim que nela tudo é:
da única forma que deve ser. Todo ano é o mesmo nascimento. Sai a mulher pronta
de dentro da casca do ovo alvo. O que quer que sinta, é precioso. Suas
felicidades cintilam nas esquinas, suas tristezas ecoam feito salto no asfalto.
É que vive longo, nascera de existência musicada e chora disso às vezes, mas
também ri — como a gente ri e chora o silêncio de Chaplin.
Hoje é dia em que as coisas a cintilam — vejo a parede
branca de ovo trincar do bico dela perquirindo o mundo.
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