Chuva a noite tem o charme de só aparecer direito onde o poste quer. O
olhar nosso completa o não visto. A gente adivinha o mundo que não conhece.
Digo "sentir" mundo (ou o que a senhora quiser), que é um olho de
enxergar a partir de dentro.
A verdade
da gaveta está dentro dela.
É quando
você percebe que a gaveta é meia, é camisa passada, saia com estampa florida,
bilhete escondido.
O amor
está dentro do amor — adivinho. Há tanto diminuto nisso que a gente nomeia, e é
cheio das coisas sem nome no entanto. A boca quer dizer e não diz — adivinhe.
Tenho de pequena, lembranças assim fora de mim. Acho graça disso. Eu me
vendo em terceira pessoa, com a certeza do acontecido. Deve ser amor pela
criança que fui e na lembrança fico querendo olhar para ela. Se cito isso agora
é porque me revisito sempre que escrevo. Abro a gaveta e retiro uns guardados.
De hábito me aproximo para sentir o cheiro da roupa — cheiro de gaveta.
Veja em
minhas mãos esse vestido vermelho, ainda está perfumado!
Minha
primeira paixão, dessas de escola, foi inventada. Eu era moça de jeito calado,
os dedinhos pintando silêncio nas folhas de caderno. O rosto do escolhido é
nuvem em mim — não me lembro. Com memória é assim mesmo. É que não escolhi pelo
rosto. Eu via nos desenhos da manhã: o moço de pullover cantando pela moça da
saia lilás. Achava bonito. Era um sorriso em mim aquilo. Eu queria, e de não
ter inventei que tinha.
Agora, a paixão é que me inventa.
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