Vejo a imagem da moça, coisa passarinho,
do outro lado do meu encontro. Eu de tantas noites, poucas, no entanto —
sabe-se lá do tempo nosso. Nem parece que é um ciclo. A gente conta idades por
precisar de recomeço pra seguir, mas o que me parece mesmo é que a idade minha
é só existir, me sou criança, me sou adulto, me sou velho, me sou das noites
tantas. Até um dia morrer, acho que d’ela. — Agora a vejo ali do outro lado,
vindo a mim. Passou um tempo escolhendo a roupa, colocou o cabelo por trás da
orelha quando me viu, segurando a bolsa de guardar suas miudezas. Ela tem um
acordeom no abraço — me toca. Fico com essa necessidade esmaltada. Nem sei o
que quero dizer com isso. É que tem palavra que soa macia. A gente deita no
colo da palavra essa, que é como o colo dela.
Comecei a escrever como se houvesse
pegado no violão sem música na cabeça. Quem toca sabe. Às vezes é assim: não se
pensa em tocar o instrumento, nem a composição tal, pensa-se em tocar o que
sente. Esse é teu instrumento. O que sinto é ela. Ela que soa em mim no
improviso. Dá essa vontade de aveludar as palavras. De colocar luz do Sol das dezesseis
na janela — aquele de ver poeirinha caindo leve. Ai solidão, essa lembrança
acompanhada. Essa dela vindo a mim, e as coisas ao redor desfeitas. Ela tem
esse controle de alterar a realidade toda. Havia pessoas lá. Muitos rostos e
passos, lugar publico que era. Havia também parede cinza, preferia dizer “gris”
que soa bonito, mas que importa esta banalidade? O mais inusitado era o piano,
e um rapaz de ares boêmios tocando qualquer coisa de Jobim. Puxei essas imagens na memória do antes, pois
no durante, que era o abraço dela, sei lá de mundo.
Ando caçando ar limpo. Quando
encontro, coloco-o em um pote de vidro. As pessoas me perguntam “o que é isso?”.
Ar limpo saibam todos. Uma prateleira cheia. É o que quero agora. Me pego
sempre em suspiro co’a lembrança solitária de ter estado nós.
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