Lá fora o sujeito esconde o rosto e mostra o ferro que ameaça a vida de Gustavo, que acha que ama Patrícia e deixara sua foto em papel de parede do celular que entrega. Pessoas passam e fingem não ver — minguam. Uma rabiola de pipa, que um menino teve o cuidado de amarrar ponto a ponto do papel de seda que cortara parte a parte, balança ao vento do frio no fio. Já há uns minutos chove e Joana se lamenta de haver esquecido o guarda-chuva enquanto volta da faculdade e sente a franja ensopada grudar na testa — os pensamentos pingam.
A cidade dá esse respiro ultimo e
as luzes se apagam.
Todas.
Ana procura velas e grita por Malu,
o vestido sobre a tábua queima e não percebe. A menina acha graça e abre a janela para ver.Jorge finge calma na irritação da espera vã do
jogo dessa quarta, retira os pés da mesa e respira fundo.
Os que fingiam não ver agora
realmente não veem. O sujeito pega o celular e corre no escuro — no dentro de si e
no de fora, ofegante. Deixa a arma cair no chão e respira fundo tateando o asfalto. Gustavo pensa
no que Patrícia pensaria se o soubesse morto, e que na impossibilidade de dar
amor, amaria deveras. Os pensamentos de Joana pingam cegos pelos fios grudados na testa, e ela percebe que a
cidade só escuta chuva — sorri, apesar do medo. A rabiola de pipa balança ao vento
frio no fio e ninguém vê, nem verá nunca, para sempre.
Horas passam em breu. Desistidos
de esperar, deitam-se e dormem nesse escuro. A chuva insiste no silêncio e
todos sentem junto o que nunca será dito por ninguém.
Um comentário:
Como o mundo é lindo visto pelos teus olhos...
Juro que, por um instante, desejei cegueira para que me guiasse e eu pudesse ver tudo pelo teu ângulo.
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